Reunião anual do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj), realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na manhã da última sexta-feira (10/12), promoveu debate no painel “Criação de Protocolo e Avaliação de Riscos e Necessidades do Adolescente em conflito com a Lei para definição e execução de medidas socioeducativas” sobre tema tratado por Grupo de Trabalho instituído pela Portaria CNJ n. 255/2021 e coordenado pela conselheira Flavia Pessoa. O painel foi conduzido pelo juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Antônio Carlos Tavares, que integra o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ) e contou com a participação de três palestrantes.
No CNJ, o tema mobiliza um Grupo de Trabalho criado em outubro que discute a viabilidade de criação de um protocolo de avaliação de riscos e necessidades do adolescente em conflito com a lei para a definição e a execução das medidas socioeducativas. O instrumento, que não existe nos tribunais brasileiros, mas é utilizado na justiça juvenil de outros países, está sendo proposto como mecanismo de avaliação da gravidade e das circunstâncias do ato infracional cometido, o contexto do seu autor, para subsidiar o magistrado ao aplicar determinada medida ao jovem – desde uma advertência até a privação de liberdade.
A assessora técnica do DMF/CNJ Mariana Py Muniz ponderou os riscos da iniciativa e analisou estudos que descrevem as origens desse instrumento nos Estados Unidos. Os primeiros critérios que ajudavam o juiz a decidir sobre a prisão ou não de um adolescente (ou adulto) questionavam o acusado para verificar se fumava e se professava alguma religião não cristã, entre outras perguntas. Com o tempo, o viés punitivista que marca a tradição penal americana evoluiu e o mesmo instituto hoje opera por meio de softwares pouco transparentes e pelo uso da subjetividade dos critérios usados pelos algoritmos para avaliar o risco de reincidência do adolescente, por exemplo, dificultando a defesa e o contraditório.
“A avaliação de risco desborda parâmetros legais para aplicação da medida socioeducativa, punindo por circunstâncias subjetivas emocionais, que se referem ao contexto, à saúde mental, e não à gravidade do ato infracional ou à capacidade de cumprir medida, quesitos previstos na legislação socioeducativa brasileira”, afirmou a doutora em ciências sociais, que além de atuar no DMF é defensora pública do Rio Grande do Sul.
Discricionariedade
De acordo com o juiz titular da Vara de Infância e Juventude de Jaboatão dos Guararapes/PE, Rafael Cardoso, um vácuo que existe na legislação para a justiça juvenil permite a discricionariedade excessiva dos juízes na aplicação de medidas socioeducativas – e as sanções nem sempre têm relação com a necessidade do adolescente apreendido. Uma pesquisa que o magistrado conduziu este ano revelou a diversidade dos critérios adotados pelos juízes de varas de infância e juventude ao se decidir por uma medida socioeducativa a aplicar. O estudo que ouviu 220 magistrados de todas as unidades da Federação revelou tendências regionais de adoção de determinados critérios para analisar a aplicação de medidas.
“No Norte, o critério mais preponderante, de acordo com os relatos dos magistrados dos estados daquela região, é a idade do infrator”, afirmou. Quando perguntados sobre qual medida aplicariam em diferentes cenários de atos infracionais e seus autores, alguns magistrados responderam que aplicariam medidas sequer previstas em lei. Se um adolescente réu primário cometesse um ato infracional análogo ao tráfico de drogas, 12,3% dos magistrados respondentes aplicariam a medida de internação e a mesma medida seria aplicada para 6,4% dos juízes em caso de um furto qualificado cometido por um adolescente primário. “Em tese, não se pode aplicar medida socioeducativa de internação nesses casos”, afirmou o juiz, que realizou a pesquisa dentro do seu mestrado na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).
De acordo com a servidora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios Bárbara Macedo, o protocolo analisaria o risco de um adolescente conforme a abordagem da criminologia desenvolvimental, ou seja, como uma probabilidade de cada indivíduo manifestar uma delinquência transitória ou persistente. “É uma avaliação para além de predizer se o adolescente vai persistir ou não na trajetória. É entender fatores dinâmicos que podem ser modificados ao longo do tempo, fatores que deveriam ser alvo da intervenção (medida socioeducativa) com adolescentes”, afirmou a servidora, que é especialista em psicologia.
A avaliação por meio do protocolo investigaria oito fatores de risco dinâmicos relacionados ao ato infracional cometido e sobretudo à vida do adolescente levado à Justiça: histórico infracional; valores, crenças; pais antissociais; circunstâncias do ato infracional; abuso e uso de drogas; atividades de recreação; e contexto escolar. “Uma boa avaliação indicaria a intensidade dos programas de intervenção oferecidos, não necessariamente intensidade significa prisão. Indicaria a prioridade de intervenção, conforme as necessidades do adolescente, como autoregulação emocional, autocontrole. Uma boa avaliação também pressupõe uma revisão periódica dos resultados da intervenção”, afirmou.
Iniciativas
De acordo com Mariana Py Muniz, que ponderou riscos de abordagens discriminatórias e que perpassem limites legais, apontou que diversas iniciativas do CNJ buscam a racionalização da aplicação das medidas de privação de liberdade a adolescentes. O esforço da discussão é necessário diante da superlotação e da insalubridade das unidades em que muitos jovens cumprem medida socioeducativa no país, uma situação comparável ao “estado de coisas inconstitucional” decretado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao sistema prisional de adultos.
Fonte: cnj.jus.br| Foto: G.Dettmar/CNJ